sábado, 16 de outubro de 2021

A TRANQUILIDADE DAS OVELHAS

 A TRANQUILIDADE DAS OVELHAS

 

Texto de Rubem Alves, do livro: “Perguntaram-me se acredito em Deus”. Editora Planeta, 2007

 

A noite estava escura, céu sem estrelas. De vez em quando ouvia-se o uivo de um lobo bem longe, misturado com o barulho do vento. As crianças reunidas na tenda do Mestre Benjamin estavam com medo. Mestre Benjamim sentiu o medo nos seus olhos. Foi então que uma delas perguntou:

 – Mestre Benjamim, há um jeito de não ter medo? Medo é tão ruim!

 Mestre Benjamim respondeu:

 – Há sim... E ficou quieto.

 Veio então a outra pergunta:

 – E qual é esse jeito?

 – É muito fácil. É só pensar como as ovelhas pensam...

 – Mas como é que vou saber o que as ovelhas estão pensando?

 Mestre Benjamim respondeu:

 – Quando durante a noite, as ovelhas estão deitadas na pastagem, os lobos estão à espreita. E eles uivam. As ovelhas têm medo. Mas aí, misturado ao uivo dos lobos, elas ouvem a música mansa de uma flauta. É o pastor que cuida delas e não dorme nunca. Ouvindo a música da flauta elas pensam: Há um pastor que me protege. Ele me leva aos lugares de grama verde e sabe onde estão as fontes de águas límpidas. Uma brisa fresca refresca a minha alma. Durante o dia ele me pega no colo e me conduz por trilhas amenas. Mesmo quando tenho de passar pelo vale escuro da morte eu não tenho medo. A sua mão e o seu cajado me tranquilizam. Enquanto os lobos uivam, ele me dá o que comer. Passa óleo perfumado na minha cabeça para curar minhas feridas. E me dá água fresca para sarar o meu cansaço. Com ele não terei medo, eternamente... (Salmo 23, paráfrase)

 Mestre Benjamim parou de falar. Os olhos de todas as crianças estavam nele. Foi então que uma delas levantou a mão e perguntou:

 – E os lobos? Eles vão embora? Eles morrem?

 – Os lobos continuam a uivar. E continuam a ser perigosos. O pastor não consegue espantar todos eles. E por vezes eles atacam e matam. Mas as ovelhas, ouvindo a música da flauta do pastor dormem sem medo, não porque não haja mais perigo, mas a despeito do perigo. Não há jeito de acabar com o perigo. Mas há um jeito de acabar com o medo. Coragem é isso: dormir sem medo a despeito do perigo...

 As crianças voltaram para suas tendas e dormiram sem medo, pensando nos pensamentos das ovelhas. De vez em quando, lá fora, ouvia-se o uivo de um lobo faminto. Desde então, tornou-se costume contar ovelhinhas para dormir.

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